domingo, 27 de setembro de 2009

BEBO SOZINHO AO LUAR





Entre as flores há um jarro de vinho.
Sou o único a beber: não tenho aqui nenhum amigo.
Levanto a minha taça, oferecendo-a à Lua:
com ela e a minha sombra, ja somos três pessoas,
Mas a Lua não bebe, e a minha sombra imita o que faço.

A Sombra e a Lua, companheiras casuais,
divertem-se comigo, na primavera.
Quando canto, a Lua vacila.
Quando danço, a minha Sombra se agita em redor.
Antes de embriagados, todos se divertem juntos.
depois, cada um vai para a sua casa.
Mas eu fico ligado a esses companheiros insensíveis:
nossos encontros são na Via-Láctea.

Li Po
(Tradução de Cecília Meireles)





Li Po


A LUA DE LI PO

Há mil e duzentos anos, morria na China o poeta Li Po.

Seu nome e o de Tu Fu resumem a glória da poesia chinesa no século VIII; e o próprio Tu Fu, que alguns consideraram o maior dos dois, considerava-o, a ele, o maior de todos.

Dizem que Li Po morreu afogado, tentando abraçar a lua.Se a versão não for historicamente verdadeira, tem, pelo menos, o valor de encerrar com um fecho poético uma existência que, de longe , parece flutuar como um véu entre as águas e o luar, mais atenta à beleza geral do universo que às vantagens particulares do mundo.

Todos conhecem o poema em que Li Po cria, na solidão, um grupo de três amigos: ele, a sua sombra e a lua.

Ao contrário do que acontece com os amigos humanos, que se separam depois de beber, com a sua sombra e a lua o poeta se sentia numa união inseparável: "nossos encontros" - dizia - "são na Via-Láctea".

Em quase todos os seus poemas, a lua aparece, clara e próxima, como se realmente fosse dois companheiros de mãos dadas, entre jardins e lagos, palácios, montanhas e rios."O luar é como neve ao longo do muro da cidade..." " O arco da ponte parece a lua crescente..."

Nas águas do lago, a lua é embalada com a canção das flores e o poeta entristece os remos de seu barco inoportunos:

"O lago Nan-hu embala a lua de outono
que se reflete na sua água verde.

O ruído dos meus remos interrompeu
o hino de amor
que os nenúfares cantavam à lua"


A lua aparece-lhe no jardim juncado de flores de pessegueiros;a lua aparece-lhe nas ruínas dos palácios:

"Hoje, a lua de Si-Kiang é a única dançarina a
bailar salas por onde deslizaram tantas
mulheres formosas."


Li Po, que viveu algum tempo na Corte, onde o seu mérito era reconhecido, foi afastado por intrigas, e houve, certamente, melancolia em sua vida. Mas o vinho e a lua dissipavam-lhe as amarguras:

"já que a vida é ilusória como um sonho,
Por que nos atormentaremos?
Prefiro beber até cair."

Foi o que ontem fiz.

Ao acordar, olhei em redor.
Um pássaro gorjeava entre as flores.
Roguei-lhe me informasse
sobre a estação do ano
e ele me respondeu
que estávamos na época em que a primavera
faz cantar os pássaros.

Como eu já me ia eternecendo ,
recomecei a beber,
cantei até a lua chegar
e do novo tornei a perder a noção das coisas.

Crônica retirada do livro 'Escolha o seu sonho" de Cecília Meireles

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